Foi-se o tempo em que os vampiros encarnavam o Mal. As cíclicas repaginações do personagem já criaram dentuços ridículos e apaixonantes. A última das várias releituras aconteceu em 1997. O seriado Buffy transformou uma vítima em potencial, a loiríssima atriz Sarah Michelle Gellar, em vingadora das donzelas sugadas em filmes de terror. Agora, quem vai enquadrar os vamps ao espírito dos novos tempos é Crepúsculo, versão para o cinema da saga-fenômeno Twilight, da escritora Stephenie Meyer. O filme quebrou recordes de arrecadação e bilheteria nos Estados Unidos e deve causar estrondo similar quando estrear no Brasil, no dia 19. O frenesi está atrelado ao sucesso da saga Crepúsculo, que deu sangue novo ao mercado editorial para adolescentes, vendeu 7 milhões de cópias e foi traduzido para 20 línguas.
Assim como o livro, o filme começa com a mudança de Isabella Swan (a novata Kristen Stewart) da ensolarada Phoenix para a chuvosa Fork. Retraída e ensimesmada, Bella tenta se adaptar à mudança para a cidade provinciana e para a nova escola. É quando conhece Edward Cullen (o galã emergente Robert Pattinson, que atuou em Harry Potter), um fascinante rapaz com seis palmos de topete que parece não se bronzear há séculos. A ciclotimia de Edward atormenta Bella: ora ele lhe lança olhares chamejantes, ora parece sentir repulsa. Intrigada, Bella investiga a vida do amado e o força a contar a verdade. Edward se transformou em vampiro em 1918 pelos caninos de Dr. Carlisle Cullen, uma espécie de Drácula benemérito que só mordisca moribundos para salvá-los da morte. Assim fez com sua mulher, Edward e outros quatro jovens. É a grande família Cullen, um clã de vampiros atípico: sem dentões e que não são incinerados quando expostos ao sol. Ao contrário, cintilam como diamantes. E, digamos, quase vegetarianos: renunciaram ao sangue humano para se alimentar de animais. Chupa-cabras do Bem. Por isso Edward é tão vulnerável a Bella. O apetitoso aroma de seu sangue desperta nele o desejo de abocanhá-la. Edward vive uma batalha contra a tentação – o furor hormonal próprio dos 17 anos que ele conserva, mesmo com 104 anos.
O roteiro do filme dá substância à prosa anêmica e prolixa de Stephenie Meyer. Salpica aventura e suspense, mas o que importa mesmo é o amor dos protagonistas – uma versão abstinente de Leonardo Di Caprio e Kate Winslet em Titanic. Tanto o filme quanto os livros da saga exalam sensualidade enquanto parecem dizer que a negação dos desejos é uma virtude. “Cresci num ambiente em que não era exceção ser boa moça, e meus namorados eram respeitosos”, disse Stephenie a ÉPOCA. “Isso afeta a maneira como escrevo.” Crepúsculo é uma fábula de paixão proibida, privação e provação. Responde aos anseios das garotas da geração W (também chamada de geração do milênio, dos nascidos entre 1980 e 2000): adolescentes e pré-adolescentes ultraconectadas na internet, antenadas e um tanto puritanas. É um conto de fadas sob medida para quem outro dia sonhava com o mundo de Harry Potter e suspirava pelo galã Zac Efron, de High School Musical.
Edward Cullen personifica esses desejos. É romântico, meigo, carinhoso... e recatado. Protege sem exigir nada em troca, nem as típicas apalpadelas dos rapazes. Na única cena de beijo do filme (e do livro), Edward diz: “Não posso ir longe demais com você, tenho de me controlar”. Ambos estão no quarto dela, deitados na cama. Ela adormece. Ele passa a madrugada adorando o rosto de Bella – só o rosto. Edward é um amante à moda antiga talhado para as novas gerações de adolescentes românticas. Sensível e com poderes sobrenaturais, é o perfeito vampiro emo. Alguma dúvida de que o filme vai virar uma febre?